“Costumo dizer que não escolhi a Saúde Pública Veterinária, fui escolhido, pois o destino sempre me colocou nesse trilho”, afirma o médico-veterinário Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, com especialização em Saúde Pública e mestre em Epidemiologia pela Fiocruz. Assim como grande parte dos alunos que ingressam na Medicina Veterinária, Edilson prestou o vestibular interessado em cuidar de cachorros. Desde criança, conviveu com os pets da família e logo cedo, aos 6 anos de idade, assumiu a responsabilidade de lembrar os pais de levar seus cães ao veterinário, alimentar, dar medicação, passear, comprar ração e vacinar e vermifugar.

Envolvido ainda muito jovem nesse universo, entendeu que sua inclinação profissional estaria ligada ao cuidado com a saúde dos animais, mas nem de perto imaginava que sua vocação estaria relacionada à saúde pública, por um motivo muito simples: antes da faculdade não sabia o papel do médico-veterinário nessa área e, durante a graduação, essa também não era uma disciplina de tanta relevância a ponto de despertar seu interesse. Foi ao final do curso, durante uma palestra da extinta Associação Brasileira de Saúde Pública Veterinária, que Edilson teve o primeiro contato com o assunto. “Ali ficou plantada a semente”, recorda.

Após formado pela Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, em 2005, Edilson prestou concurso para a Prefeitura de Palmas (TO) e foi trabalhar na Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do município. Atuava com o atendimento antirrábico humano, acidentes por animais peçonhentos e leishmaniose. “A cada dia fui sendo conquistado e a vocação foi ocorrendo aos poucos, à medida que ia aprendendo sobre essa linha da Medicina Veterinária tão instigante e gratificante”, lembra.

Histórias que transformam vidas

Quando trabalhava com leishmaniose visceral, em Palmas, Lima Júnior tinha contato com fichas de notificação e os animais, mas pouca relação direta com as pessoas. Isso mudou quando recebeu a notificação de que uma criança menor de 2 anos de idade, confirmada para leishmaniose visceral, estava internada em um hospital da cidade. Quando foi visitá-la para complementar a investigação epidemiológica, Edilson se deparou com uma criança em estado gravíssimo, com anasarca (edema/inchaço generalizado), hemorragia, icterícia e uma mãe arrasada, muito triste e preocupada.

“Naquele momento eu consegui visualizar de forma palpável a Saúde Pública Veterinária e a relação direta do médico-veterinário com a saúde das pessoas. Percebi que temos um papel imprescindível na Vigilância Epidemiológica e no controle de zoonoses, justamente para evitar esse tipo de sofrimento. Foi quando me convenci que era o que eu realmente queria fazer”, revela.

Felizmente, essa primeira criança acompanhada por Edilson sobreviveu, mas outras que seguiu ao longo de sua carreira não tiveram a mesma sorte. “Esse momento foi um divisor de águas e sempre tento lembrá-lo para que aquilo não se torne banal. Cada ser, cada indivíduo é dotado de uma importância, tanto o animal quanto os seres humanos, e devemos continuar trabalhando de forma séria, ética, em prol da saúde pública. O veterinário, em qualquer ramo, tem de se colocar no lugar do outro e pensar no sofrimento e nas consequências que podem ser evitadas se fizer a ação certa”, afirma.

Durante a sua jornada, o epidemiologista foi percebendo que o médico-veterinário, seja ele clínico ou de qualquer outra área da Medicina Veterinária, deve estar ligado ao dia a dia do animal que está em sua mesa como paciente, ou atento ao tutor ou proprietário que está ali como cliente, vigilante com a sua vizinhança e os animais que convivem naquele espaço com famílias, crianças e toda a comunidade envolvida. 

Desafios e conquistas

Quando começou sua carreira, Lima Júnior sentia falta de um mentor que o orientasse. “Fui aprendendo no dia a dia e o início da profissão já foi meu primeiro grande desafio”, confessa. Aos recém-formados, aconselha: “Aproveitem ao máximo a experiência de um médico-veterinário que realmente entenda da profissão sempre que tiverem a oportunidade”.

No aprender fazendo, Edilson conta que a cada novo contato foi ganhando experiência para lidar com diversas outras doenças, como tracoma, doença de Chagas, leptospirose e febre tifoide. Empenhou-se tanto em sua profissionalização que logo foi convidado para, além do expediente na área Epidemiológica, também trabalhar na Unidade de Vigilância de Zoonoses (na época, Centro de Controle de Zoonoses) da capital de Tocantins.

Na Vigilância Epidemiológica, o trabalho era de investigação e visitação a pacientes em hospitais – mais ligado à parte humana – e encaminhamento das informações para a Unidade de Vigilância de Zoonoses analisar e subsidiar as ações de vigilância e controle. 

“Já na unidade de zoonoses passei a ter contato direto com animal e o proprietário, a fazer visitas ambientais e ter visão global das duas áreas, o que me permitiu transpor obstáculos e integrar as ações entre as duas pontas: Vigilância Epidemiológica e Controle de Zoonoses. Foi um momento ímpar para a minha carreira, uma experiência valiosa, e tenho muito orgulho de ter trabalhado no centro de controle de zoonoses”, reconhece.

Desde 2009, Edilson é servidor público federal no Ministério da Saúde. Já passou pelas áreas de zoonoses, de doenças transmitidas por vetores e pelos programas nacionais de controle da raiva e da leishmaniose. Recentemente, atuou na vigilância de outras doenças transmissíveis e, atualmente, está num grupo de gestão que coordena a vigilância zoonoses e doenças de transmissão vetorial. 

“Vem sendo um período muito rico, que me permitiu enfrentar um surto de febre amarela de alta magnitude, como foi o que ocorreu nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, e agora, mais recentemente, o surto de sarampo e o programa de controle da malária”, relata.

Considera que ainda é jovem na área e tem muito para aprender e contribuir. No entanto, destaca a grande conquista da Saúde Pública Veterinária Brasileira no controle da raiva. “Graças ao trabalho de décadas de muitos médicos-veterinários, espalhados pelo nosso país no controle da raiva transmitida pelo cão, hoje estamos prestes a eliminá-la, uma conquista no âmbito da Saúde Pública Veterinária para o Brasil”.

Saúde Única

De acordo com Lima Júnior, 75% das doenças emergentes e reemergentes do último século são zoonoses, “portanto, doenças transmitidas entre animais e homens”, explica. 

Por isso, segundo ele, o médico-veterinário vem assumindo o protagonismo em busca de efetivar estratégias de Saúde Única. “Com uma visão mais ampla, o médico-veterinário se torna um profissional-chave na abordagem da Saúde Única, aquele que cuida da saúde animal, da saúde humana e da saúde ambiental”, reforça.

“Na nossa grade curricular cursamos disciplinas da área da Medicina, que se aplicam tanto no campo da saúde veterinária quanto da saúde humana. Nossa graduação é muito forte em epidemiologia, além disso, estudamos os vetores relevantes no mundo atual, que causam doenças, surtos e epidemias em diversas localidades, o que nos dá essa visão global de sanidade do ambiente também. No meu entendimento, a saúde das pessoas depende muito da ação do médico-veterinário”, analisa.

Daí a importância de que a disciplina de Saúde Pública na graduação traga subsídio para que o futuro médico-veterinário utilize seus princípios em qualquer área de atuação, opina. “Quem faz saúde pública não é só o profissional que trabalha diretamente na área, mas também, por exemplo, o clínico veterinário, assim como o profissional de grandes animais, o de inspeção de alimentos, o colega que está no laboratório; todos contribuem para Saúde Pública Veterinária em suas áreas específicas de atuação”.

Para ele, isso torna o mercado de trabalho da Saúde Pública Veterinária amplo e promissor. “É uma área que não se faz apenas por profissionais que trabalham em órgãos públicos de saúde, mas também pelo profissional da área privada, que ao ter uma visão mais ampla do problema se diferencia dos demais”, destaca.

Lima Júnior acrescenta que as mutações e as mudanças ambientais alteram todo o contexto de transmissão de doenças que estavam equilibradas e que podem causar epidemias em seres humanos: “É aí que o médico-veterinário passa a ter um papel fundamental para a resolutividade múltipla desses problemas”. 

O epidemiologista acredita que quem amplia suas abordagens, recomendações e orientações para além do paciente que está em sua mesa ou do proprietário, aumenta a efetividade de suas intervenções. “Essa abordagem ampliada inclui enxergar o animal como integrante de um ecossistema, de um ambiente, de uma sociedade, que vive com uma família, que convive com outros animais, outras espécies, além de avaliar a vulnerabilidade da área onde vive, como as condições socioeconômicas, de saneamento etc.”, comenta.

Ele conclui reforçando a importância do tema, independentemente do rumo profissional que o médico-veterinário vá seguir. “A Saúde Pública Veterinária ainda é uma área de atuação bem próspera e que vai nos conquistando aos poucos. São momentos, detalhes, pequenos resultados somados que vão nos capturando e, quando menos percebemos, já estamos completamente envolvidos”, diz.

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