Neste 23 de outubro, encerramos as comemorações dos 50 anos da Lei 5.517, a legislação que criou os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária (Sistema CFMV/CRMVs), delegando às entidades a competência de estado de fiscalizar o exercício profissional. Ao completar meio século de trabalho, encaramos o desafio de fortalecer a nossa atuação diante do “fogo-amigo” da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 108/2019.

A proposta pretende retirar do estado e transferir a particulares a atribuição de fiscalizar o direito fundamental de exercício profissional. Além de contrariar a Constituição Federal (art. 60, § 4º, IV) e a decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 1717/DF), a iniciativa, se aprovada, impactará negativamente a estrutura do Judiciário. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2019, revelam que 1,1 milhão de processos de cobrança de dívida ativa dos conselhos profissionais, que tramitam nas varas de execução fiscal da Justiça Federal, serão imediatamente remetidos às justiças estaduais. Vão sobrecarregar ainda mais esses órgãos, já tão onerados e sem dotação orçamentária para assumir mais esse ônus, e sem servidores suficientes para dar celeridade aos casos como a população merece e lhe é de direito garantido pela Constituição (CF/88, art. 5º, LXXVIII).

Para além da questão administrativa, o que a PEC 108 realmente ameaça é a segurança da sociedade. E por quê? Como conselho profissional, temos a competência legal de proteger a população dos serviços prestados pelos maus e pelos falsos profissionais, os charlatões. E como fazemos isso? Fiscalizando o exercício profissional nos 27 estados e no âmbito federal, regulamentando e orientando os 185 mil médicos-veterinários e os 18 mil zootecnistas do país sobre as diretrizes éticas e técnicas que norteiam a conduta adequada.

Com foco nessa missão, nos últimos dois anos e meio, as ações de fiscalização do Sistema resultaram em 20,3 mil multas; 47,2 mil autos de infração; 80 mil termos de constatação de irregularidades; e 61,4 mil certificados de regularidade para estabelecimentos aptos a prestar serviços à sociedade. Também instauramos 1,5 mil processos éticos, entre 2013 e 2017, que geraram penalidades de advertência até a cassação profissional.

A aprovação da PEC 108 atingiria diretamente a fiscalização e os processos disciplinares, permitindo que profissionais antiéticos, negligentes, imprudentes, imperitos ou com formação precária atuassem livremente, à margem de qualquer punição, com grave ameaça à saúde da população. Sim, risco concreto à saúde, pois os médicos-veterinários são responsáveis pela sanidade dos animais de companhia e dos rebanhos econômicos; pelo melhoramento genético e o aumento da produtividade e da qualidade dos artigos de origem animal consumidos por brasileiros e exportados para diversos países; bem como pela saúde pública, já que 75% das doenças emergentes e reemergentes do último século são zoonoses, portanto, doenças transmitidas entre animais e homens.

Temos a missão de direcionar os bons profissionais para que trabalhem corretamente em mais de 80 áreas de atuação. Se aprovada, a PEC 108 representa retrocesso e ameaça real à elementar e imprescindível segurança alimentar e sanitária da sociedade, à saúde pública, e ao bem-estar dos animais e do meio ambiente, constituindo a Saúde Única.

É nosso papel também valorizar a contribuição direta dos médicos-veterinários e dos zootecnistas para o crescimento exponencial do agronegócio e do mercado pet, segmentos que movimentam a economia brasileira, geram consumo e empregos, dão fôlego à sobrevivência financeira do nosso país, mesmo em momentos de crise.

Portanto, nesse 23 de outubro de 2019, data em que encerramos as comemorações do Jubileu de Ouro da Lei nº 5.517, prestamos nossas homenagens à Medicina Veterinária e à Zootecnia e reafirmamos o compromisso estatal do CFMV e dos 27 regionais de continuarem a atuar em benefício da sociedade.

Francisco Cavalcanti de Almeida
Médico-veterinário e presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV)

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